Fugindo da raia

O termo é usado pejorativamente. Segundo o dicionário InFormal, fugir da raia significa “acovardar-se, escapar de uma situação adversa sem enfrentá-la”. Quem é do interior sabe que raia é a designação caipira para uma pista de hipismo improvisada nas fazendas. A raia é um trecho de pasto, com uma reta, onde se demarca uma distancia, digamos de 1 km, para que os cavalinhos disputem um páreo informal nos finais de tarde. Isso é muito comum no RGS. Os peões da fazenda montam os cavalos e o povo em volta faz as apostas. É uma espécie de jockey club dos pobres. Quando um cavalinho se sente intimidado, ele anda de lado e, literalmente, se afasta da afasta, ou foge da raia. Taí um bom exemplo de cultura inútil.

No mundo dos negócios, usa-se esse termo para designar as empresas que se recusam a participar de uma concorrência (RFP – Request for Proposal), ou se afastam dela logo após conhecer melhor as condições do comprador. Muitos vêem nessa atitude um misto de covardia e falta de competência para ganhar. Outros podem enxergar sabedoria.

Nós não podemos ganhar todas as concorrências, isso é simplesmente impossível, além de ser inadequado. Quando “forçamos a barra” para ganhar uma concorrência fora do perfil de nossa empresa, na maioria das vezes isso pode resultar numa “vitória de Pirro”, ou em frustração.
Muitas empresas acham que participar de todas as concorrências demonstra agressividade e disputa ativa pelo mercado. Isso não é verdade.

Participar de concorrências indevidas cria duas percepções negativas:

  • Os funcionários da empresa interpretam mal as perdas e pior ainda as vitórias que trazem clientes inadequados. Aí sim fica a leitura de incompetência, o que traz desmotivação (ninguém gosta de trabalhar numa empresa perdedora).
  • O mercado vai taxar a empresa de oportunista, daquelas que vão em todas, mas sem foco, sem critério.

E, o pior de tudo, é que “vitórias de Pirro” terminam em churn. A taxa de churn, termo comum dentre as operadoras de telecomunicação, TV a cabo e cartões de crédito, reflete o percentual dos clientes que cancelam seus contratos com a empresa. O churn é uma medida critica no B2C, mas cada vez mais é um índice muito bom para avaliar a saúde dos negócios em qualquer segmento. Com a concorrência cada vez mais agressiva, a aquisição de um novo cliente é muito cara para empresa, muito mais cara do que qualquer esforço que possamos fazer para retê-lo.

Por quê perdemos clientes. São duas as razões:

  1. Mau atendimento, o que é mortal num mundo globalizado.
  2. Inadequação da empresa ao cliente e nesse caso não há muito que se possa fazer.

Vou me permitir não discutir o ponto 1 (atendimento), que acho óbvio. A questão da inadequação da empresa ao cliente é fundamental. Por que isso acontece? Na maioria das vezes porque decidimos “não fugir da raia” e ganhar um contrato a qualquer custo. Aí as discrepâncias se evidenciam: não temos o conhecimento adequado, não temos a oferta adequada, o preço pago (ou sendo pago, se o serviço é continuado) não remunera o que foi (ou está sendo) entregue. Em poucas palavras: ou nossa empresa é grande demais para o cliente, ou o inverso. Em qualquer dos casos houve um erro de compra (e de venda).

Moral da história: muitas vezes o cavalinho ganhador é aquele que foge da raia.

2 Respostas para “Fugindo da raia

  1. Ricardo Amaral

    A teoria é perfeita. Acontece que dentro do mundo corporativo as pessoas que deveriam ter a consciência de decidir ,entre ficar ou ir, estão sempre sob muita pressão. E a pressão de conseguir os clientes através destas concorrências, leva a decisões precipitadas.
    Já vi isto acontecer em Grandes Consultorias e em grandes empresas de Software.
    É uma decisão que deveria envolver sempre um comitê, para não sobrecarregar apenas a área comercial.

    • Ricardo, seu comentário faz muito sentido. Realmente a pressão corporativa muitas vezes se sobrepõe ao bom senso. As empresas que fazem vendas consultivas cada vez mais conduzem processos de “win/loss reviews” para diagnosticar os principais fatores de ganho e perda de contratos. Nesse momento, as chamadas “vitórias de Pirro” deveriam ser documentadas para que no futuro a empresa pudesse avaliar o impacto das decisões políticas sobre as vendas.

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